O regresso ultraviolento de Art, The Clown, em ‘Terrifier 2’

★★★★ — Art, The Clown, regressa ao grande ecrã para um festival grotesco de violência indiscriminada, sementando o seu lugar na mesa de figuras icónicas do terror.

AVISO: O CONTEÚDO QUE SEGUE PODERÁ FERIR A SUSCETIBILIDADE DE ALGUNS LEITORES.

Terrifier 2 é um dos fenómenos do cinema de terror de 2022 e um caso de estudo do poder do ‘fã’. A sequela do filme do mesmo título de 2016 foi parcialmente financiada por uma campanha de crowdfunding na plataforma Indiegogo, o que permitiu ao realizador Damien Leone ir além dos limites que expectara, entregando uma sequência brutal, grotesca, horripilante, e ao mesmo tempo campy e hilariante.

Art, The Clown, é um assassino sadomasoquista que esventra as vítimas indiscriminadamente, desmembrando os corpos mesmo depois de mortas, e transformando o ecrã num de sangue e tripas, causando enjoos, vómitos, desmaios, e até a chamada de uma ambulância a um cinema durante o circuito de exibições que se alargou até mesmo a uma estreia nacional em Portugal.

Normalmente este tipo de incidentes não seria algo a que podemos atribuir a palavra ‘sucesso’, mas sendo um slasher de terror, tais só serviram para popularizar ainda mais o filme e trazer-lhe um sucesso de culto que o permitiu não só ter estreias cinemáticas internacionais, mas também arrecadar mais de 14 milhões de dólares no Box Office, o que, para o filme que se trata, é um feito simplesmente incrível.

Esta longa testa seriamente a sanidade da audiência, mas fá-lo de uma maneira tão campy que não o podemos considerar apenas um filme cruel, o humor negro e o deboche de efeitos práticos e visuais desqualifica-o de qualquer consideração desse género. Damien Leone quis dar aos fãs tudo aquilo que eles mereciam e mais, e foi isso que recebemos.

Escrito e realizado por Leone, Terrifier 2 arranca imediatamente a seguir aos eventos do primeiro, quando Art (David Howard Thornton) é inexplicavelmente ressuscitado por uma entidade sobrenatural, assassinando o pobre desgraçado da morgue que só estava ali para o dissecar e ir para casa descansar. Não, não enquanto o Art ali se encontra! De seguida, desloca-se a uma lavandaria aleatória para se limpar e maquilhar e é surpreendido por uma menina demoníaca com o mesmo sorriso de dentes podres do palhaço mímico, tornando-se a companheira de chacina após ‘despejar os intestinos’ no chão (Porquê? Porque sim…).

A seguir, há um salto temporal de 1 ano, altura em que Art regressa para mais um Halloween conturbado.

Ao contrário do primeiro filme, em que Damien Leone dá mais ênfase ao antagonista e não há realmente um arco de desenvolvimento de personagem a seguir, aqui conhecemos a nossa heroína, Sienna, interpretada por Lauren LaVera, uma adolescente artística que se veste como uma amazona para o Halloween, e cuja família se torna o alvo de Art. O filme centra-se em Sienna, o irmão Jonathan e a mãe, que ainda lidam com as consequências da morte do pai há cerca de um ano, e o argumento implica fortemente uma ligação entre a família e Art, cabendo a Sienna e ao irmão descobrir a verdade.

Apesar de um sumário simples da trama, a mesma é resumidamente isto, mas, no entanto, o filme tem uma duração épica de 2 horas e 18 minutos. Com alta liberdade criativa e um orçamento acima do esperado, Damien Leone foca-se muito mais nas personagens e vai mais além com as matanças de Art. Personagens são desmembradas, cortadas e serradas, e por algum motivo mórbido permanecem irrealisticamente vivas durante mais tempo do que é suposto, o que só faz aumentar a ansiedade e, a certo ponto, rezar para que a cena termine e assim podermos respirar um bocadinho!

Terrifier 2 combina elementos de slasher com sobrenaturais, misturando características de diferentes subgéneros dentro do terror de forma ambígua, surrealista, e visualmente, é um triunfo extravagante em todos os setores. Apresenta uma cinematografia muito colorida, e investe largamente em tons de laranja e azul, num padrão que vai ficando cada vez mais frio, com mais tons azuis do que laranja, principalmente quando nos aproximamos do climax, sempre temperado com sangue em abundância em tudo o que são paredes.

É um filme em que a arte, os efeitos práticos e especiais, também em parte pela mão de Leone, são incrivelmente impressionantes e ambiciosos para uma película de baixo orçamento. Vemos cenários complexos com o tema de Halloween, como parques de diversões abandonados, lojas de máscaras, e caves subterrâneas cheias de tralha que acaba sempre coberta de sangue quando o palhaço mímico aparece, e é, em parte por isso, que a personagem de Art resulta.

Sendo um antagonista flamboyant e morbidamente criativo, há uma relativa justaposição em relação a Sienna, que o enfrenta numa rixa sangrenta vestida de amazona. Há semelhança do pai, ela é uma adolescente artística, que constrói o seu próprio disfarce, e o quarto dela está cheio de materiais de pintura, contribuindo para a abundância no departamento da arte, que foi concebida por Olga Turka e a sua equipa.

Outro motivo pelo qual a personagem de Art resulta é o facto de Leone não se acanhar na realização das ‘matanças’, investindo largos recursos no departamento visual para que estas se tornem absurdamente viscerais. As death scenes neste filme arrastam-se mais do que o necessário, o gore está completamente fora de controlo, mas é essa caracterização que traz a alma (se podermos considerar o termo adequado) de Terrifier 2, e é também por isso que Art, no fim de tudo, sentar-se-á com os Freddys, os Jasons, e os Myers deste mundo no topo dos vilões de terror.

Todo este rico conjunto com a arte, os efeitos, e a fotografia de George Steuber, é temperado por uma banda sonora espetacular, por Paul Wiley, que combina melodias de suspense em terror clássico com músicas rítmicas industriais, juntando composições que nos relembram filmes do género dos anos 80 com misturas pós-modernistas, acabando por fazer uma ponte entre o terror vintage e o moderno.

Porém, nem tudo é perfeito em Terrifier 2. Como mencionado, o filme tem uma duração de 138 minutos — imenso para um slasher — o que dá mais que tempo e espaço para confrontos memoráveis entre as personagens, especialmente no terceiro ato, mas falha ao dar-nos as respostas que procuramos. O argumento de Damien Leone implica que dará respostas às perguntas deixadas na prequela e neste, mas não se completa nesse padrão. Da maneira como o filme termina, é possível que haja uma terceira parte ou até mesmo um franchise, e talvez por essa razão, teremos as respostas que procuramos mais tarde.

Se o motivo era deixar-nos ansiosos por saber mais, e considerando a última cena do filme (horrivelmente épica!), só podemos esperar que a terceira parte seja ainda mais insana, complexa, e narrativamente satisfatória.

Segue em anexo o trailer de ‘Terrifier 2’.